Reflexão: A despedida de um peladeiro


Desde a despedida de Ronaldo Fenômeno que venho pensando: o que será de mim quando eu pendurar as minhas chuteiras?
Sou um peladeiro nato, jogo bola de domingo a domingo. Na rua, no prédio, no quarto, em qualquer lugar. Me chama que eu vou. Eu e a maioria dos meus amigos, todos peladeiros, sem tempo ruim.
Certamente a despedida de um peladeiro não tem a mesma comoção que a despedida de um jogador profissional.
O peladeiro não ganha crônicas ou textos em homenagem. A única homenagem que um peladeiro recebe é quase que diária: ‘essa é por minha conta’, diz um companheiro de time no boteco depois do jogo.
Baita homenagem. Digna, sincera. Muito melhor que uma placa de agradecimento, convenhamos.
Já dizia o craque Sócrates: ‘o jogador de futebol é o único ser que morre duas vezes: a primeira, quando para de jogar, a segunda quando morre mesmo’.
Mas o peladeiro, na verdade, não se despede, não morre nunca. A idade vai chegando, o tempo vai passando, a perna já não responde. E o que a gente pensa? Se o físico está mal, não existe mais espaço para o peladeiro no futebol.
Mentira.
A várzea é um símbolo de democracia e inclusão social. O gordo, o magro, o novo, o velho, o bonito, o feio, o negro, o amarelo. Todo mundo joga e o peladeiro vai ganhando sobrevida.
Se o atacante já está velho e não tem mais a velocidade de outrora, que jogue na meia! E por aí vai: o meia vira volante, o volante vai pra zaga e o zagueirão vira goleiro. E todo mundo joga, sempre.
Sem despedidas, sem choro nem vela.
Os únicos peladeiros que já vi abandonarem a carreira são aqueles que se casaram ou que estão trabalhando demais. Mas esses se despediram de suas próprias vidas, porque a pelada está no sangue, a rodada de cerveja está na alma.
A felicidade completa do homem se encontra no futebol com os amigos, naquele campinho de pelada.
Se um jogador profissional morre quando se despede dos gramados, o peladeiro se suicida.
Para o boleiro de final de semana se despedir do futebol é cortar os próprios pulsos. E não existe homenagem pra isso.

Por Rico Moreira
*Texto retirado do blog futeboldebotequim.com


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